quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Crise Ética na Política

Publicado no Estado de Minas – 23/11/07

Jesus, na sua maestria, muitas vezes, ensinou aos seus discípulos importantes questões do coração e da mente que influenciavam, de modo determinante, suas relações sociais e sua responsabilidade política na sociedade. Uma vez, os filhos de Zebedeu se aproximaram de Jesus para fazer-lhe um pedido: “Mestre, queremos que faças por nós o que te vamos pedir” (Mc 10,35ss). O pedido era a garantia de que eles se sentariam ao lado de Jesus, um à esquerda e outro à direita. Uma clara referência ao exercício e gozo do poder. Aquele pedido gerou uma grande confusão entre os discípulos. Os outros dez ficaram indignados. A indignação e o pedido dos filhos de Zebedeu tinham a mesma configuração. A motivação equivocada do pedido era a mesma da indignação. É o desejo de poder que seduz e cega, e leva a negociar valores e princípios éticos, caindo num relativismo que permite tudo. Importa fazer valer as próprias conclusões e interesses.

Os absurdos do cenário sócio-político contemporâneo, como noutros velhos tempos, uma avalanche destruidora, têm seu nascedouro na ilusão do poder, na fantasia do mando, na sedução egolátrica de ser sempre o primeiro, o dono, o único, a fonte de onde emana todo saber e toda decisão acertada. Isto é resultado de uma perda total do sentido de referência que está para além do si mesmo de qualquer pessoa. A perda deste sentido de referência desconfigura o sentido de limite e respeito e a capacidade de diálogo. Põe na mesma vala as delinqüências dos pivetes e marginais, as violências urbanas, os assaltos, os roubos, a manipulação religiosa e a comercialização da fé, a ocupação mesquinha de lugares e funções, os absurdos das negociações interesseiras que são verdadeiros atentados contra a vida, como a descriminalização e legalização do aborto, bem como tudo o que se refere à crise ética na política.

O cenário latino-americano e caribenho revela um quadro preocupante vivido neste momento. De um lado continua a enraizada tendência à corrupção nos funcionamentos da sociedade. Uma facilidade para a relativização de princípios e valores, fazendo escorregar na vala das sujeiras uma multidão de pessoas, instituições, pequenas e grandes. Esta é uma questão relevante em razão dos prejuízos enormes que vêm como resultado, e dos atrasos impostos ao desenvolvimento social, político e cultural de povos e nações. Há uma permanente necessidade de empreendimentos no que se refere à erradicação desta cultura mesquinha e nojenta de ver gente, grupos e instituições trabalhando e manipulando em função dos seus interesses, em detrimento do bem comum e da nobreza de ver uma sociedade mais equilibrada socialmente.

No bojo deste cenário horrendo, a Igreja se preocupa com isso e se põe, em nome da verdade e da justiça, em luta constante e na fidelidade ao seu Mestre, enquanto se faz atenta aos sinais de um déjàvu, com cheiro de totalitarismo, ressurgindo. Os bispos venezuelanos corajosamente declararam que esta tendência ao totalitarismo é eticamente inaceitável. A América Latina já teve, de maneira dolorosa e atravancadora do seu desenvolvimento global, momentos difíceis sob a égide de regimes ditatoriais monopartidários. A oposição a esta tendência é considerada, no horizonte totalitário, como o que é eticamente inaceitável. Os que questionam é que são eticamente inaceitáveis. Curioso. Qualquer tendência totalitária é eticamente inaceitável, bem como é inaceitável que no cenário político não se levantem, mais fortemente, vozes para fazer oposição a este tipo de retrocesso.

É hora de trabalhar decididamente para a desmontagem e impedimento de conceitos que contribuem para uma compreensão da organização sócio-política nos parâmetros da existência de um partido único, levando pessoas a uma interiorização fanática de uma ideologia. Não fazer frente a isso como sociedade latino-americana e caribenha é abrir passagem, sem mais nem menos, para o uso sistemático e global do terror físico e psicológico, a existência de um líder que se assume como depositário e intérprete único da vontade e da ideologia de um partido. Absurdo como este vai até reacender desejos que não morreram em muitos que não estão mais em cena, sonhando com retomadas de poder e a volta de velhos tempos que não voltam mais. Será uma verdadeira confusão. Grandes atrasos. Um absurdo. Há de se imaginar o quadro deprimente se religiosos, políticos, governantes, intelectuais, artistas, formadores de opinião e toda a sociedade permitirem um redesenho de um cenário político com as características do totalitarismo. A liderança de um chefe indiscutido, a utilização do terror, terceiros mandatos, um controle monolítico da economia, o uso manipulado da mídia, e outras coisas, são inadmissíveis porquanto ferem a autonomia da sociedade civil. A sensatez pede reações lúcidas nesta grave crise ética na política.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte

Fonte: http://www.arquidiocese-bh.org.br

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